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 revista EXAME 

O matemático das empresas
  21 de Setembro 2006

O professor Aguinaldo Ricieri, 49 anos, é físico de formação, mas sua cátedra predileta, sua paixão, é a matemática. Aos domingos pela manhã, Ricieri reúne uma turma de mais de 300 pessoas em um colégio de São Paulo para discorrer sobre números, equações e suas aplicações no dia-a-dia - um divertimento que dura 5 horas e arrasta multidões de seguidores. Durante a semana, ele se divide entre duas atividades. A primeira são as aulas que ministra no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, onde também fica sua casa, uma exótica construção ao estilo dos castelos medievais. A outra são as consultorias que presta a empresas do porte de Petrobras, Vale do Rio Doce e Pirelli. Viciado em números e do tipo que fala em derivadas fracionárias com a naturalidade de quem discute futebol, Ricieri tornou-se um sonho de consumo para as companhias. "Tenho recusado trabalho toda semana", diz o professor, que atualmente presta consultoria para cinco empresas, mas tem outras 30 na fila.

 

A razão para tanta procura é que Ricieri faz parte de uma categoria de profissionais cada vez mais valiosos para o mundo dos negócios: ele usa cálculos matemáticos avançados para solucionar problemas do cotidiano. Por meio de complexas equações (alimentadas por ampla base de dados), esses especialistas são capazes de identificar com precisão a maneira mais eficiente de produzir, transportar ou desenhar um produto. A técnica é conhecida mundialmente pelo nome de "pesquisa operacional" e era até pouco tempo restrita ao departamento financeiro das companhias. O acirramento da concorrência, a busca pela eficiência e pela produtividade, no entanto, estão fazendo com que ela saia desse nicho e seja hoje aplicada em áreas distintas -- do varejo ao sistema bancário, da indústria ao agronegócio. É um tipo de trabalho que paga muito bem. Por uma consultoria recente, Ricieri recebeu 3 milhões de reais. "As empresas não querem mais softwares empacotados. Elas querem soluções personalizadas", diz.

A busca da eficiência em situações absolutamente diferentes impulsionou duas gigantes brasileiras, Petrobras e Vale do Rio Doce, a procurar os serviços de Ricieri. A petrolífera estava em busca de um combustível que deixasse a menor quantidade possível de resíduos nos carros. A idéia era usar a inovação como um atrati  vo para os consumidores. Graças à fama de "geninho da matemática", a Petrobras chamou Ricieri para encontrar essa mistura. Durante meses, ele e uma equipe multidisciplinar analisaram mais de 200 amostras com composições distintas. Foram centenas de gráficos e fórmulas para chegar à combinação ideal, hoje já no mercado. No caso da Vale, Ricieri foi chamado -- juntamente com Roberto da Mota Girardi, um dos maiores especialistas em aerodinâmica do Brasil -- para resolver um problema nas chaminés das unidades onde o minério de ferro é derretido. O desafio era reduzir a emissão de poluentes nessas torres. Para isso, a dupla reproduziu o sistema de tubulações encontrado em cupinzeiros -- processo chamado de escoamento bifásico. Parece coisa de doido? Sim, mas funcionou.

 

 

 

Atualmente, Ricieri tem se dedicado ao aperfeiçoamento da logística de uma usina de etanol. A "cobaia", nesse caso, foi a Usina São Domingos, localizada na cidade de Catanduva, no interior de São Paulo. Por meio de equações gigantescas -- que levam horas para ser processadas nos computadores da empresa --, o matemático conseguiu combinar mais de 20 milhões de variáveis, como tipo de adubo, espécie de cana, local de plantio e logística. O resultado foi um sistema mais eficiente de produção e transporte que promete aos donos da usina redução de custos de 30% nos próximos cinco anos. O método do "matemático" também leva em conta as oscilações do mercado financeiro. Assim, é possível prever se haverá maior lucratividade na produção de álcool ou açúcar num determinado período. "Esta será a usina mais moderna e eficiente do Brasil", garante Rodrigo Sanchez, um dos donos da São Domingos, empresa que fatura 140 milhões de reais ao ano.

 

A MATEMATICA VEM SENDO utilizada com sucesso no mundo dos negócios há muito tempo. Países desenvolvidos, sobretudo Estados Unidos, Inglaterra e Japão, têm empregado a técnica da "pesquisa operacional" desde a Segunda Guerra Mundial, quando se viram obrigados a aumentar a produtividade de suas indústrias logo após o conflito. Com o passar dos anos, o método foi permanentemente depurado e a matemática empregada tornou-se cada vez mais sofisticada. O recente avanço tecnológico permitiu a criação de computadores mais potentes, capazes de lidar com um universo maior de informações. Não por acaso, os profissionais de matemática estão entre os mais procurados dos Estados Unidos, tendência que deve se repetir nos próximos anos. Segundo estimativa do Ministério do Trabalho americano, até 2010 devem surgir quatro vezes mais empregos ligados a habilidades matemáticas do que a média das outras profissões. "É a busca pelo aumento da produtividade. O emprego de soluções matemáticas possibilita a solução de gargalos na cadeia produtiva, tornando o processo mais eficiente", afirma o engenheiro Hugo Yoshizaki, especialista em logística e professor da Universidade de São Paulo.

Hoje, esse tipo de arma competitiva é uma questão de sobrevivência para as empresas. Corporações como Procter&Gamble, IBM, Philips, Bombardier, FedEx e Wal-Mart têm confiado em equações matemáticas para melhorar suas linhas de produção, logística e até auxiliar no desenvolvimento de novos produtos. "O matemático tornou-se parte fundamental das equipes de pesquisa e desenvolvimento das empresas", afirmou a EXAME Dimitris Bertsimas, professor de pesquisa operacional do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT). Um setor que vem utilizando a técnica com intensidade cada vez maior é a indústria automotiva americana. Abalada por uma série de problemas financeiros, as montadoras de Detroit têm se valido da matemática na tentativa de melhorar o seu desempenho. Entre elas, a General Motors.

Por meio de complexas equações, os engenheiros da GM conseguiram identificar -- e resolver -- gargalos em 30 linhas de montagem, permitindo à empresa economia de mais de 2 bilhões de dólares. A Ford decidiu no mês passado aumentar sua verba publicitária em 30%, depois que cálculos matemáticos demonstraram que poderia ter vendido 625 milhões de dólares a mais se tivesse aumentado seu orçamento para propaganda na internet de 2,5% para 6% do total. No Brasil, apesar de a pesquisa operacional existir desde os anos 70, só agora vem conquistando as empresas. E, a julgar pela agenda de Ricieri, com uma velocidade incrível. "Algumas das companhias terão de esperar de seis meses a um ano para ser atendidas", diz ele, sem nenhuma falsa modéstia.

 

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